Pular para o conteúdo principal

O monstro de 80 cabeças

Fatos sobre 1987
Beleza física, eu acreditoEm 1986, a CBF conseguiu (des) organizar o mais bagunçado Campeonato da história (e isso, amigos, é um feito). Era um monstrengo com 80 clubes divididos em 8 grupos de 10 – quatro de elite, quatro menos votados. Classificavam-se para a segunda fase os sete primeiros dos quatro primeiros grupos (28 clubes) e mais os vencedores dos grupos inferiores (4).  E, para  temperar com ácido a feiúra deste rostinho, ali pelo fim da primeira fase uma decisão do STJD (ele já existia) deu ao Joinville pontos de um jogo contra o Sergipe (por causa de doping). O Vasco, eliminado por isso, entrou na justiça comum para cassar a decisão. E conseguiu.
Para evitar uma guerra de liminares, a CBF tentou desclassificar a Portuguesa, por conta de um problema com ingressos. Os clubes paulistas reagiram solidários e ameaçaram boicotar a segunda fase. A entidade máxima, pois, encontrou uma solução salomônico-genial: botar todo mundo pra dentro. A segunda fase passou a ter 33 times. O problema é que com número ímpar de equipes ficou difícil fazer a tabela. A saída foi convidar mais três equipes pela janela – Santa Cruz, Sobradinho e Náutico. Essa vergonhosa zona – no primeiro ano de uma polêmica nova gestão na CBF (a dupla Otávio Pinto Guimarães – Nabi Abi Chedid) – plantou a “revolução” do ano seguinte.  No fim, o São Paulo foi campeão, derrotando o Guarani de Ricardo Rocha em Campinas e nos pênaltis. O América-RJ ficou em terceiro (depois de eliminar o Corinthians) e o Atlético-MG em quarto.
O detalhe a observar:  antes do Campeonato, e por pressão dos clubes, o Conselho Nacional de Desportos (CND) e a CBF acertaram que 1986 seria “classificatório” para 1987. Dos 44 times dos módulos de “cima” do torneio – 24 seriam classificados para a primeira divisão do ano seguinte. A confusão jurídica implodiu essa combinação – e evitou que dois times grandes disputassem a segundona num suposto campeonato de 1987 (Botafogo e Coritiba).

1987, a secessão que não foi
A balbúrdia acima (muito) resumida exacerbou a já antiga revolta com a CBF. Desde 1971, o Campeonato Brasileiro era um cruzamento de bunda-lelê com INPI – todo ano trazia uma patente nova: uma fórmula diferente com um número de clubes variável e injunções políticas de toda sorte. Só uma coisa não mudava: os certames eram cada vez menos rentáveis. Os clubes de maior torcida eram obrigados a disputar inúmeras partidas deficitárias, enfrentando times sem expressão, fazendo viagens longas em meio a receitas mirabolantes (teve campeonato com desempate até por renda). O caos de 1986 foi uma espécie de gota d’água.
O primeiro ato foi da CBF que,  atolada em dívidas, simulou arrego dizendo que não tinha grana para organizar o campeonato de 1987. O simulacro de renúncia recebeu seu golpe no quengo quando o recém-fundado Clube dos 13 –  entidade que unia os 13 maiores clubes do país (os quatro grandes de Rio e São Paulo, os dois grandes de MG e RS e o Bahia) – avisou que organizaria sozinho a competição – e a chamaria de Copa União. A competição teria 16 times (os 13 do clube e os convidados Coritiba, Goiás e Santa Cruz), seria rentável e prometia uma nova era – com estádios cheios e tabela organizada. Pressionada pelas equipes alijadas (Guarani, Sport, América & outros), a CBF voltou atrás – desistiu de desistir – e disse que organizaria sim o campeonato. O Clube dos 13 – que já tinha tabela pronta, patrocínio acertado – não aceitou. A CBF, apoiada pela FIFA (que não pode nem ouvir falar em secessão), ameaçou desfiliar os revoltosos. Vale lembrar que não era uma ameaça vazia: a FIFA, por princípio, sempre ficou do lado das entidades. O impasse estava criado.
Para viabilizar o campeonato, um acordo foi costurado – e assinado pela CBF e pelo Clube dos 13 (signatário Eurico Miranda, então vice-presidente do Vasco e da entidade). Pelo acordo, a Copa União seria o módulo verde de um campeonato com quatro módulos (os outros seriam o amarelo, o azul e o branco). Os módulos verde e amarelo teriam um cruzamento para determinar os campeões brasileiros – algo que, tecnicamente, não fazia sentido nenhum. Aliás, outras coisas não faziam sentido técnico – Guarani e América-RJ, respectivamente vice e terceiro em 1986, jogariam o módulo amarelo.  O América, indignado, recusou o rebaixamento – e o módulo teve apenas 15 equipes.
O Clube dos 13 assinou o acordo – mas combinou internamente que roeria a corda. Pode-se questionar, hoje, a ética do São Paulo ao inserir “penta” ou “hexa único em camisas comemorativas tendo sido um dos signatários do “acordo a não cumpr”ir”. Como pode se questionar a ética de quem assina um papel já sabendo que vai rasgá-lo. Como pontuou certa vez o luminar Caixa D’Água, ou Eduardo Viana, secular presidente da Federação do Rio, representante egrégio do pensamento dirigente nacional:
- Acordo, eu descumpro. Papel, eu rasgo. Opinião pública pra mim deve ser tratada na base da metralhadora.
O acordo foi selado no dia 15 de setembro  - quando a bola da Copa União já havia rolado.  Palmeiras e Cruzeiro abriram a competição numa data que hoje talvez soe profética – 11 de setembro de 1987 – uma sexta-feira. Quatro meses depois, os finalistas do módulo verde cumpriram o que tinham combinado. O Flamengo venceu a Copa União no dia 13/12/87 – botou a faixa e resolveu ignorar solenemente, ao lado do vice Inter, a existência do cruzamento. O módulo amarelo, não por acaso, foi decidido no mesmo dia. O Guarani tinha vencido a primeira partida por 2 a 0 em Campinas e perdeu o jogo da volta, no Recife por 3 a 0. Como o regulamento não previa desempate por saldo de gols – a decisão foi para os penais… e nunca terminou. Ou terminou em 11 a 11 e com os dirigentes dos dois times dividindo o titulo do módulo num clima de casados e solteiros. O Guarani foi citado na súmula por abandono de campo – e abriu mão do título dez dias depois (para evitar uma punição).  Esse é um argumento, aliás, que os torcedores do Sport costumam usar – o titulo do módulo não valia muita coisa.
O que pouca gente recorda é que pouco mais de um mês depois – no dia 15 de janeiro de 1988 – houve uma reunião do Conselho Arbitral, formado pelos clubes, na qual foi proposta oficialmente a modificação do regulamento –para abolir o cruzamento. Nos termos da lei, o regulamento só poderia ser modificado se houvesse unanimidade. Dos 32 times inscritos (16 de cada módulo) – 29 compareceram e votaram. Sport, Guarani, Náutico, Fluminense e Vasco votaram contra a mudança – impedindo-a na teoria. O CND considerou porém que a maioria bastava e proclamou o Flamengo como campeão.
A ópera-bufa não tinha terminado. A CBF ignorou o CND  e marcou as partidas do cruzamento – que era um quadrangular onde todos se enfrentavam. No dia 24 de janeiro, o Sport entrou em campo para enfrentar o Internacional, que nem pensou em ir. Os 11 jogadores do Sport esperaram os 30 minutos regulamentares, assim como o trio de arbitragem – para configurar o W.O.  A partida seguinte, contra o Flamengo, estava marcada para o dia 27. O clube carioca, porém, conseguiu uma liminar na justiça estadual do Rio para não jogar. Os advogados do Sport descobriram que a juíza responsável estava de folga em Angra dos Reis – e estrada estava fechada por causa das chuvas (não é coisa nova). Alugaram um helicóptero e conseguiram convencer a magistrada a cassar a liminar.
Depois de duas vitórias por W.O. para cada– Sport e Guarani se classificaram para a decisão. No primeiro jogo, empate em 1 a 1 em Campinas. No segundo, no dia 7/2/88, vitória do Leão por 1 a 0. A taça das bolinhas foi entregue ao capitão do Sport – Estevam Soares, hoje técnico do Botafogo.  E a CBF indicou Sport e Guarani como representantes do Brasil na Libertadores de 1988.  A proclamação do CND abriu caminho para que o Sport acionasse judicialmente a União – pois o Conselho era um órgão do governo federal.  Três dias depois do resultado em campo, o Sport entrou com uma ação judicial declaratória na décima vara federal de Pernambuco pedindo o reconhecimento do título. Na ação, o Leão acionava a União, o Flamengo, o Inter e a própria CBF.
sentença do caso – favorável ao Sport – só saiu em 1994. A União apelou e perdeu em segunda instância em 1997. Novo agravo de instrumento subiu para o Superior Tribunal de Justiça – que em 1999manteve a sentença inicial. Em 2001, venceu o prazo para que o Flamengo (ou qualquer parte) recorresse (para isso seria necessário apresentar alguma evidência nova para reformar a sentença definitiva).  Em suma, é uma sentença transitada em julgado que não pode ser modificada. Muito por isso, a CBF não tomou a salomônica decisão de repartir o titulo de 1987. E, ironia ou não, hoje o Sport é membro do clube dos 13 – e não abre mão de jeito nenhum de ser considerado campeão único do campeonato sem fim.
(Reprodução do blog Coluna 2)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Frases sobre o Mengão

" Ser Flamengo e ir em frente onde os outros param, é derrubar barreiras onde os prudentes medram(...)É comungar a humildade com o rei eterno de cada um."-  Arthur da Távola   "Torcida chata e nojenta essa do Flamengo. Se julgam superiores em tudo.... mas com razão, não é ?" -  Bussunda     "Meu orgulho de ser rubro-negro começa pelo orgulho de ser carioca. Não dá para negar que a paisagem mais bonita e mais emocionante da Cidade Maravilhosa é a entrada no Maracanã no dia de uma decisão do Mengão. O contraste da escuridão do túnel que leva às arquibancadas, ou o silêncio dos elevadores sociais para o Maracanã lotado e brilhando em vermelho e preto é de arrepiar qualquer torcedor. Continua pelo orgulho de ser brasileiro e fazer parte da maior torcida do mundo, do time que foi mais vezes campeão brasileiro, no país do futebol. Não preciso nem falar de Zico e companhia, do fato de todos os astros internacionais que nos visitam fazerem questão de usar o manto sag...

🏴🚩Flamengo Campeão Carioca 2020

🟥⚫ Flamengo Campeão  Carioca 2020: Supremacia, Garra e o DNA da Vitória Por: [Seu Nome ou Assinatura] No dia 15 de julho de 2020 , o Flamengo provou, mais uma vez, por que é o gigante do Rio , do Brasil e da América. Em um Maracanã silencioso, mas carregado de simbolismo, o Rubro-Negro entrou em campo não apenas para disputar uma final, mas para selar uma era de ouro , marcada por talento, raça e supremacia. A noite da afirmação Com a vitória por 1 a 0 sobre o Fluminense , o Flamengo conquistou o bicampeonato carioca (2019–2020) e reafirmou seu domínio absoluto no futebol do estado. O gol salvador, marcado por Vitinho aos 49 minutos do segundo tempo , foi um soco de emoção num jogo tenso, travado, mas que teve um só dono: o time que veste vermelho e preto com alma e sangue. O herói improvável surgiu nos acréscimos, quando o torcedor já se preparava para a festa, mas ainda queria aquele gol com selo de autoridade . E ele veio, como sempre vem para os que acreditam até o fim. Um el...

BYE, BYE SO LONG VERY WELL

Pois é, como dizia uma canção meio brega do Guilherme Arantes: "Adeus também foi feito prá se dizer". Bye, bye R10, saiba que não deixará nenhuma grande lembrança. Hoje o dia foi de sub-notícias e sub-comentários sobre a saída do dentuço da gávea. Aliás a conclusão do espetáculo circense comandado pela honorável Paty começou ontem a noite quando o Cascão resolveu demonstrar ter um poder que não tem diante de alguns torcedores em Teresina. Em seguida foi desmentido pelo Zinho, que em seguida foi desmentido pelo Ronaldinho. Sei não mas, Coutinho, Zinho, Ronaldinho, é muito inho juntinho. MInha opinião é que o time não ficará nem melhor nem pior sem o Ronaldinho, mesmo porque ele não estava entrando em campo mesmo. O que não entendo é a confusão criada entre defensores dele, os que detestam ele, e os que detestam a diretoria independente da decisão tomada. Difícil achar que haverá qualquer racionalidade numa discussão...