No
quarto da maternidade, ainda com o corpo pequeno envolto em mantas, o menino já
vestia o manto sagrado, tamanho PPP, claro, mas com o escudo do Flamengo
bordado no peito. O pai olhava aquela cena com os olhos marejados e a alma em
festa: “Nasceu mais um rubro-negro.”
E
assim foi desde sempre.
Antes
de aprender a andar, já balançava os bracinhos quando ouvia o hino.
Antes
de falar “papai”, já arriscava um “Mengooo”.
Na
hora da papinha, jogo na TV.
Na
hora do banho, cantoria de torcida.
Na
hora de dormir, histórias de Zico, Pet, Adriano, Gabigol…
Mais
do que torcer o menino estava sendo educado para sentir. Sentir o que é
carregar no peito uma nação inteira. Sentir o que é amar um time que não se
explica, só se vive.
O
pai ensinava com carinho e paciência: “Ser Flamengo é mais do que gostar de
futebol. É entender que alegria e sofrimento andam juntos. Que cada gol vale
como se fosse o último. E que cada vez que a gente veste esse manto, a gente
honra milhões.”
Vieram
os primeiros campeonatos assistidos na TV. O menino pulava no sofá, imitava os
jogadores, gritava sem entender direito as regras. Mas o pai estava lá,
explicando cada detalhe, cada falta, cada impedimento… e principalmente, cada
história por trás das conquistas.
Até
que chegou o dia. O dia prometido. O dia sonhado. O dia de ver o Flamengo ao
vivo. No templo.
No
Maracanã.
Acordaram
cedo. O pai vestiu a camisa número 10. O filho, com o uniforme completo, até
meião. No caminho, o menino segurava firme a mão do pai. Os olhos arregalados,
o coração acelerado, como se estivesse prestes a conhecer um herói.
E,
de certa forma… estava.
O
Maracanã apareceu no horizonte como um castelo. Gigante. Vermelho e preto por
todos os lados.
A
multidão cantava, vibrava, abraçava e o menino, no meio de tudo aquilo, olhava
com uma mistura de encanto e reverência.
O
pai se ajoelhou, colocou as mãos nos ombros do filho e disse: — Filho, esse
aqui é o nosso segundo lar. A partir de hoje, você não é só torcedor. Você é
parte disso tudo.
O
menino assentiu. Os olhos brilhavam. Eles subiram as rampas. A arquibancada se
abriu como um mundo novo.
E
então, quando o Flamengo entrou em campo, o menino apertou a mão do pai e
sussurrou:
—
Obrigado, pai.
Foi
o primeiro. Mas não foi o único.
Anos
depois vieram mais dois. Três irmãos rubro-negros. Educados da mesma forma. Com
a mesma devoção, os mesmos rituais, o mesmo amor.
Três
filhos. Três corações batendo em sintonia com a nação.
O
Maracanã os viu crescer. Viu abraços em gols, lágrimas em finais, vozes gastas
em noites épicas. Viu uma família inteira sendo forjada à base de paixão,
respeito e camisa rubro-negra.
E
hoje…
Chegando
aos 60, somos quatro rubro-negros. Cada um com sua história, seus caminhos,
suas famílias. Mas todos com a mesma missão silenciosa: Perpetuar a Nação.
Porque
ser Flamengo é isso.
É
sangue, é herança, é alma.
E
enquanto houver um pai ensinando a um filho o que significa vestir esse manto…
A
Nação jamais acabará.
Talvez
não tenha sido bem assim, talvez nada disso tenha acontecido de fato, fora a
educação e a transmissão da paixão.
Mas
que poderia ter sido, poderia, e dane-se se não foi exatamente assim, é assim
que quero me lembrar e pronto.
Comentários