🔴⚫ Por que Flamengo? — A construção simbólica da maior torcida do Brasil
“O Flamengo não nos enche a barriga, mas inunda a alma de um vigor de prodígio.” — José Lins do Rego
Por que o Flamengo tem a maior torcida do Brasil? A resposta, segundo Marizabel Kowalski em sua premiada tese de doutorado Por que Flamengo?, não está nos títulos ou na história convencional. Está na cultura, na arte, na memória popular. Publicado pela Editora Gama Filho (2003), o trabalho é um mergulho denso e provocador na sociologia, história e simbologia que cercam o clube mais amado do país.
🏆 O que não explica o Flamengo
Apesar de ser um clube vitorioso, o desempenho em campo não justifica a desproporcional popularidade rubro-negra. O Flamengo não tem o maior número de títulos estaduais* (Fluminense lidera nesse quesito), nem domina sozinho os campeonatos nacionais e internacionais.
Além disso, as rivalidades com Vasco, Fluminense e Botafogo são fortes e simbólicas, mas não são o fator gerador de sua gigantesca base de torcedores. Tampouco o são os favores estatais da Era Vargas comuns a muitos clubes da época.
📊 Ou seja: os dados não explicam o fenômeno. Eles o provocam.
🏟️ O Flamengo como fenômeno sociocultural
O Flamengo não nasceu grande, nem estruturado. Começou como um grupo de regatas sem barco, sem campo e sem sede. Deixou a aristocrática Zona Sul e foi se enraizar no subúrbio da Gávea — espelhando a trajetória urbana da população carioca.
O clube se funde com os fluxos urbanos e sociais do Rio de Janeiro. O torcedor flamenguista representa o trabalhador, o sonhador, o homem comum que busca no futebol uma válvula de escape. O clube se torna espelho da massa urbana, um símbolo de identidade popular, mais do que um time.
🎨 A invenção popular do Flamengo
Aqui está o cerne do argumento de Kowalski: a popularidade do Flamengo foi inventada culturalmente, por meio da arte, música, crônicas e literatura. Desde Henfil com seu urubu até poetas e cronistas como David Nasser e Lins do Rego, o Flamengo passou a representar um mito coletivo.
Canções, sambas, caricaturas, pinturas e crônicas criaram o imaginário rubro-negro. O clube virou personagem, metáfora e símbolo. Não é apenas um time: é tema de músicas de carnaval, é capa de livros, é figura literária, é o “time do povo”.
📖 A tradição inventada
Inspirada por Eric Hobsbawm, Kowalski mostra que o Flamengo foi transformado em uma “tradição inventada”: algo que se apresenta como antigo, mas que é, na verdade, construído e reforçado continuamente pela cultura popular.
⚡ O carisma, a emoção, o apego são todos frutos de um processo simbólico de longa duração. O Flamengo se tornou mais que um clube: virou parte da autoimagem nacional, um catalisador de pertencimento coletivo e uma expressão da brasilidade.
🎭 Conclusão: mais do que futebol
A grande força do Flamengo não está apenas em seus títulos, mas na maneira como foi mitificado pelo povo, pela imprensa e pela cultura popular. É um clube que se confunde com o imaginário nacional, com o sentimento de identidade, com a ideia de esperança, festa e superação.
Por isso, ser Flamengo não é só torcer. É habitar uma narrativa coletiva. É sentir-se parte de algo maior do que o jogo. É viver uma tradição que pulsa nas ruas, nos sambas, nas crônicas e na alma popular do Brasil.
📚 Fonte:
Kowalski, Marizabel. Por que Flamengo? Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 2003.
* Esse trabalho é de dezembro de 2001, isso explica algumas divergências sobre os números atuais de títulos do Flamengo, embora o cerne da abordagem sobre o fenômeno Flamengo não mude.
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