Como o torcedor do Flamengo virou um crítico profissional — e esqueceu como se comemora
Lá pelos idos de 2019, eu achava que era feliz.
Futebol bonito, time dominante, estádio em festa, o mundo parecia simples.
Aí veio a modernidade: algoritmo, expectativa inflacionada, “opinião embasada” em thread de Twitter.
E, de repente, ser flamenguista virou um fardo.
Hoje, a cada escanteio errado, tem alguém decretando o fim da era.
Cada empate vira crise institucional.
Cada derrota é a prova irrefutável de que “nada presta mais”.
📉 O novo esporte: sofrer por antecipação
O problema não é perder — é sofrer preventivamente.
A torcida aprendeu a sofrer como quem investe na Bolsa: tenta prever o tombo antes de cair.
“Esse time não ganha nada com esse técnico.”
“Fulano já não é o mesmo de 2019.”
“Nem adianta sonhar com título.”
É a síndrome do pós-êxtase: quando a alegria intensa deixa sequelas emocionais.
O sujeito viveu o auge e agora não aceita nada abaixo do paraíso.
Mas o futebol não é o paraíso. É caos, acaso e drama.
E se você não consegue mais sentir prazer nele — o problema não é o time.
🧠 Como as redes sociais corromperam o prazer de torcer
O torcedor moderno não vai mais ao estádio — ele entra no feed.
Ali, ele encontra outros como ele: críticos, analistas de sofá, peritos em “projetos de longo prazo”.
É a grande caixa de eco rubro-negra:
um coro ensurdecedor de que nada é suficiente, ninguém presta, e a diretoria é amadora.
O algoritmo entendeu uma coisa simples:
a indignação engaja mais que a alegria.
Então ele entrega raiva.
E quanto mais raiva você sente, mais ele te entrega.
Até que torcer deixa de ser emoção — e vira performance.
⚽ O paradoxo da exigência infinita
O Flamengo hoje é o que muitos sonharam por décadas:
estrutura, elenco, títulos, relevância global.
Mas a mente viciada em dopamina não celebra estabilidade.
Ela quer o próximo pico.
Quer o novo “2019”.
Quer sentir o êxtase de novo — todo mês, se possível.
O torcedor se tornou uma espécie de consumidor emocional:
nunca satisfeito, sempre exigente, eternamente frustrado.
🪞 No fundo, é sobre identidade
Ser flamenguista sempre foi mais que torcer: é pertencer a algo maior.
Mas quando a identidade se baseia só no prazer da vitória,
a derrota vira uma crise existencial.
O sujeito não suporta perder — não porque dói, mas porque fere o ego que ele construiu com base em conquistas.
E o resultado é esse:
gente que ganhou tudo nos últimos anos e ainda assim se sente miserável.
Como quem tem tudo, mas sente que falta algo.
Spoiler: o que falta é gratidão.
🔥 Epílogo: o que sobrou da alegria?
Talvez o flamenguista precise lembrar que o prazer de torcer não está em vencer —
mas em viver o processo.
Em cantar, em reclamar (mas sorrindo), em acreditar mesmo quando é improvável.
Porque a graça do Flamengo sempre foi o improvável.
O impossível.
O “vai dar, eu sei que vai dar”.
Mas hoje, muitos preferem prever o fracasso —
para não correr o risco de se decepcionar.
E nisso, vivem decepcionados o tempo todo.
No fim, eu olho para trás e penso:
eu era infeliz e não sabia.
Agora, com tanto motivo pra ser feliz, parece que desaprendi.


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